terça-feira, 17 de março de 2009

Ouvir como Arte.
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de “escutatória”. Todo mundo quer aprender a falar, ninguém quer aprender a ouvir.Pensei em oferecer um curso de “escutatória”, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.Diz Alberto Caeiro que... “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma.” Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.” Daí a dificuldade: A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração. E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos... Tenho um velho amigo, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança...Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades:Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro, ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência... E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar! Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.



2 comentários:

Anônimo disse...

A carapuça entrou direitinho. Tenho que aprender ouvir com a alma vazia. É uma questão de respeito. Beijos e "hasta la caja diez"

Dalva disse...

OLÁ
MARCELO QUERIDO
VC SEMPRE COM IDEIAS DIFERENTES
CURSO DE ESCUTATÓRIA..KKK
PRESTAREI ATENÇÃO.. DAQUI POR
DIANTE
BEIJUUUSSSSSS