terça-feira, 6 de novembro de 2007

A cidade do Salvador.
Nasci e fui criado aqui na cidade do Salvador. Hoje tenho 52 anos e não deixo de ter e sentir uma certa nostalgia e até saudades do que esta cidade foi e o que ela representa para mim. A cidade do Salvador nunca foi somente um lugar de domicílio, muito, além disto, era o local que eu amava e sabia que também era amado por ela.
Nos idos dos anos 50 quando nasci não sei se Salvador chegava aos trezentos mil habitantes, hoje no início do século XXI já chega aos três milhões de habitantes e aí começa uma viagem nostálgica entre o que Salvador foi e é hoje.
Lembro-me muito bem que minha família até o final dos anos 50 tinha uma casa de veraneio na Pituba que era um local distante do centro e que se chegava lá depois de muitas derrapagens num caminho estreito de areia e queimava-se o pé se estivéssemos descalços. Lá passei vários fins-de-semana e me recordo do burrinho trazendo água para beber todo o final de tarde e os meses de fevereiro quando montavam em frente à nossa casa um parquinho tosco com vários brinquedos, um alto-falante tocando músicas aos berros e o cheiro das algas que rescendiam quando a maré estava enchendo. Quanta saudade!!! Até hoje trago na memória os cheiros deste tempo. Jamais consegui senti-los uma vez mais que seja. Hoje em dia este bairro cresceu, até casa de “strip-tease” tem e a rua de areia é conhecida hoje como Avenida Manoel Dias da Silva.
Parece-me que naqueles tempos idos sua população amava mais sua cidade, a cidade era pequena é bem verdade, mas havia nela uma aura de proteção, de despreocupação de cuidado de seus filhos para com ela e ela retribuía. Era linda, inocente, principalmente quando se vestia de noite e se perfumava com seus cheiros mais exóticos.
Passaram-se os anos e a cidade do Salvador que tem nome de homem, mas com certeza é mulher começou a ser tratada como uma cidade como outra qualquer. Começou o declínio da beleza, trocada por uma nova plástica onde não reconhecemos mais a bela mulher que um dia ela foi.
A aglomeração, a favelização a ganância, o pouco caso, políticos e administrações desastrosas tornaram a cidade da Bahia numa coisa amorfa, roubaram-lhe a personalidade. Da Ribeira a Praias do Flamengo que uns trinta quilômetros separam existiu um dia uma das mais belas paisagens de Salvador. Brigam agora o poder público e os barraquieros, numa luta que a perdedora será a cidade do Salvador, mas quem se importa se você quando vai à praia seja recebido por uma “bola perdida”, uma raquetada ou uma inocente peteca?
Se o banhista ainda tiver fôlego, sentarse-á numas daquelas inúmeras cadeiras de duvidosa higiene e ao invés de ouvir o murmúrio das ondas e a música da brisa ouvirá uma mistura de sons que vai do Axé music até Chopin e, diga-se de passagem, tudo isto a muitas oitavas acima.
A bela senhora entristeceu-se. Tem hoje a mesma cara das cirurgias plásticas que passeiam por aí. Ela não usa mais o seu leque mágico que refrescava as nossas tardes, tampouco ri de chorar para nos refrescar com seus aguaceiros inesperados.
E eu fico triste. Nostálgico com um tempo que ir a praia era pegar as ondas ou deitar-se nas suas poças de águas mornas.
Com saudades das suas belezas e cheiros os quais seus próprios filhos trataram de extinguir.
Desculpe cidade do Salvador, mas acho que nem todos souberam entender que você é vaidosa como toda mulher e quebraram o seu vidro de perfume.

2 comentários:

Anônimo disse...

Marcelinho,
Que lindo seu texto! Adorei! Só fico triste por sentí-lo nostálgico e melancólico. A vida é assim mesmo.A gente tem sempre saudade de coisas que não existem mais mas essa sensação não é de todo ruim, pois a imaginação faz com que essas recordações se tornem cada vez mais lindas. Aí reside a magia de nossa memória: sempre as coisas "perdidas" eram as melhores. Muitos beijos de sua irmã
Helena

Teka disse...

Alskade Téllo
Este é um dos textos mais lindos que eu li escrito por si.
Passa muita emoção, nostalgia, tristeza, saudade. Quantas vezes não queremos voltar ao passado! Quase pude sentir-me nessa Salvador de outrora, nessas praias de mar quente e sem estar apinhada de gentes, ruídos e artigos mil que se vendem.
Mas não posso deixar de passar que todas as épocas têm o seu encanto e quando se vive num paraíso como o seu até a Baixa do Sapateiro com as suas peculariedades para uma portuguesa, tem graça.
Escreva, escreva sempre alskade Téllo, encante-nos com esse seu sentir sobre as coisas e faça-nos vivê-las consigo.
Adorei!
beijinhos memélicos (já não usava esta palavra à bués)